segunda-feira, 24 de maio de 2010

rijo que nem um papo seco com 15 dias

"Médico suspenso por atender mal utente que morreu" – é sob este título, que o Jornal de Notícias anuncia o sucedido.
E foi em Celorico de Basto, que tudo se passou. Já lá vão dois anos, mas o resultado do processo só agora foi conhecido.

Recuemos entretanto a esse 1º de Setembro de 2008.
Eram 8 e 10 da noite, quando a doente foi chamada. Entrou em cadeira de rodas acompanhada por familiares, que terão dito ao médico, que a senhora sofria de alcoolismo e tinha problemas sociais. Depois saíram e deixaram-na com o médico. A consulta não demorou mais que 3 minutos e – segundo o relatório do processo disciplinar - o médico "não dirigiu a palavra à paciente, não lhe mediu a temperatura, não a auscultou, não lhe tocou, ou efectuou qualquer observação visual, não pediu colaboração do serviço de enfermagem para qualquer acto ou tratamento, não prescreveu qualquer medicação ou tratamento..." Diz o relatório, que também não perguntou à família, nem conferiu a história clínica da senhora, registada no sistema informático do SAM. O médico diz que não o podia fazer, mas o relatório desmente-o . Diz que é possível, sim senhor, aceder à base de dados, através do SAM.

Entre parêntesis, deixem que sublinhe esta interessante observação do médico de Celorico. Diz assim: "foi um contacto rápido, porque entendi a consulta como um aconselhamento e os acompanhantes também nada me questionaram e saíram logo." Sabe-se entretanto que saíram logo, para levar a senhora a outro sìtio, no caso, ao hospital de Fafe, onde acabou por morrer , 3 horas e meia depois. Segundo o processo clínico - e agora aqui sim, digam-me se não soa curiosa esta observação - diz o médico: "como a utente vinha em cadeira de rodas, não me chamou a atenção." A cadeira de rodas é,  como todos sabemos,  um meio de locomoção muito em moda actualmente e, como bem sabeis também, a vaidade humana resiste muito dificilmente a modas. Adiante.

Segundo o relatório do processo disciplinar... "não se conclui que a deficiente actuação do arguido tenha sido a causa directa do falecimento da doente, mas admite que concorreu para agravar o seu estado de saúde..." O documento não faz igualmente referência ás causas reais da morte da senhora, mas conclui que o médico, "com a sua actuação negligente no exercício da profissão de médico violou o dever de zelo a que está obrigado." Daí, o Estatuto Disciplinar da Ordem ter decretado uma suspensão de 60 dias.

É óbvio que nem um médico pode, se calhar, prever com rigor a hora exacta a que alguém vai morrer... mesmo que tivesse conversado com a senhora duas horas inteiras e ficado a saber de tudo o que se queixava, o historial clínico, o que a levou à consulta... tudo isso e mais alguma coisa e a senhora acabaria por falecer na mesma, 3 horas e meia depois... é bem provável que sim.. estava escrito, como se costuma dizer... tinha chegado a hora dela... é possível que sim, mas isso o médico nunca há-de saber, já que, ao que parece, mal falou com ela, ou nem sequer a ouviu. A questão é que, se fazemos essa ligação directa, entre o laxismo do médico e a morte da doente... 60 dias de suspensão de funções soa estranho... soa quase a férias grandes. Já se o problema foi tê-la despachado em 3 minutos sem lhe prestar cuidados nem atenção... aí... se calhar o caso torna-se mais complicado; primeiro porque, para além de parecer eventualmente uma pena demasiado pesada para a falta cometida, sobra ainda estoutro problema... é que por essa lógica, qualquer dia corre-se o risco de não haver clínicos disponíveis para os Serviços de Atendimento Permanente... vulgo, os SAP... posso-vos garantir que, não se chegou a extremos destes , mas sei de quem foi às urgências , para ser despachado para casa com uma pneumonia e esta receita: "descanse, tome um xarope, dê-lhe com duas aspirinas, que amanhã está rijo que nem um papo seco com 15 dias!"

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